Ser Artista
- Aline Castanhari
- 18 de set.
- 2 min de leitura
Pensava que artista de rua era alguém bom demais. Algo meio circense. Uma atração grande o bastante que merecia ser pública, como um monumento. Ainda hoje penso isso. Quando chego na estação de metrô para tocar, e sento-me no chão e começo a montar o meu equipamento; sinto uma certa perplexidade. Não, não é medo, é perplexidade. Como quem não entende o que está acontecendo.
Cantar e tocar bem não significa nada ali, na rua. Você tem que impressionar. É mais do que fazer direito. Na verdade, há dois tipos de pessoas que param e dão dinheiro: O primeiro e mais comum é aquela pessoa que não está dando dinheiro pela habilidade, mas pelo esforço. Às vezes ainda estou montando o equipamento e alguém chega me dando moeda. O segundo tipo, o mais raro, é a pessoa que “paga” porque ficou impressionada. Às vezes a moeda virá acompanhada de elogios, às vezes a pessoa passa, para, dá meia volta e dá moeda (ou notas).
Às vezes a pessoa filma, aplaude, conversa. Principalmente quando é jovem, adolescente; só vai dar dinheio se ficou impressionado. E como impressionar? Ainda mais em uma cena tão competitiva como a de Montreal. Os metrôs estão lotados de musicistas, assim como todos os bares, teatros da cidade. É por isso que fico perplexa de estar ali “vendendo” a minha música. A minha capacidade musical. É como se eu me questionasse: sou boa o bastante para isso?
Nunca me apresentei ao vivo. Nunca tive reconhecimento como musicista, seja na internet ou fora dela entre minha família, amigos e conhecidos. Sempre vivi em total anonimato e em total insegurança sobre a minha capacidade musical. Quando posto um vídeo cantando e tocando em minhas redes sociais, usualmente não recebo qualquer retorno. No máximo uma ou duas curtidas. Sinto-me um lixo. Uma amadora. E disso, desta conjuntura, desse desolamento; saltei para as ruas. Pedindo não só para ser aclamada mas também paga. Paga pela minha música. É por isso a perplexidade.
Nessas duas semanas tocando diariamente, uma oscilação de sentimentos me atinge. Às vezes sinto que sou boa. Muito boa. Às vezes sinto que estou ganhando dinheiro por dó – daquele primeiro grupo que só quer dar um voto de confiança. A melhor parte sem dúvida é a interação. Preciso -muito – de dinheiro. Não tô lá por aventura. Mas melhor sim do que voltar com a bolsa cheia de dinheiro, é ouvir: “não tenho nenhuma moeda, desculpa, mas você é incrível”. Ou a pessoa pedir meu cartão. Ou fazer um sinal de joia. Ou parar para filmar ou assistir. São nesses momentos que me sinto artista. E profissional. Sem público, o artista não se valida. Sem dinheiro, o profissional não se valida.
Chego em casa e treino aquele trecho que achei que não ficou tão bom. Tento substituir aquela música que acho que tá fraca. Tento aprender gaita de boca. Faço instrumental improvisado. Se pudesse dava cambalhota. Esculpo um show. Formo-me como artista. Dia-a-dia. Como sempre fiz, mas agora a diferença é: sou. Sou? Sou. Transformo a minha realidade. E a vivo.





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