Primeiro Semana Tocando -diariamente- no Metro de Montreal
- Aline Castanhari
- 5 de set. de 2019
- 3 min de leitura
5:00 a.m, primeiro despertador. 5:15, 5:30, salto da cama. Pego a roupa embolada na banqueta a minha frente. Lavo o rosto, prendo o cabelo dentro da touca, coloco meus óculos escuros para disfarças a cara amassada. Moletom, jaqueta, luvas. Saio. A partir dai me sinto melhor. A rua vazia, o ainda silêncio, o sol que nem nasceu. Calmaria. Mas já é tarde para reservar um bom horário em uma boa estação. Os músicos “de rua” são os mais disciplinados. Trabalham pesado. Ouvi dizer que 4:30 começa a fila de músicos nas principais estações. Funciona assim: há lugares específicos onde se pode tocar dentro do metrô, sinalizados por uma placa. O primeiro músico que chegar no lugar cria uma lista de horários e escolhe o que lhe for mais conveniente. Assim todos querem ser o primeiro para conseguir as melhores estações no melhor horário. E fazer dinheiro.
É a minha primeira semana, não tenho grandes pretensões. Na verdade, a minha única pretensão é ver se sou capaz. Capaz de tocar e cantar um repertório de duas horas. No meio de uma multidão. De pé. Tremendo, horas de nervoso outras de frio. Estamos o ápice do inverno canadense. Mesmo dentro do metro é congelante. Mas isso acaba sendo só um pequeno detalhe.
No meu primeiro dia fiz uma confusão danada com a lista, perdi a minha “vaga”. Por sorte havia outra saída com outro espaço para se tocar, disponível, pois o frio lá era demasiado. Não pensei duas vezes. Há um ano estou me preparando para esse dia. E lá estava finalmente eu: carregando todo aquele peso, literalmente e figuradamente. Pronta. Pronta? Eu precisava descobrir. Sem pensar duas vezes comecei a montar o meu “palco” naquele canto, com fumaça saindo de minha boca, assim como o coração.
É engraçado a sensação de tocar “para ninguém”. Não importa a estação ou o horário, há momentos que uma multidão passa diante de você e há momentos que só há você e um corredor vazio. Eu já esperava a sensação de invisibilidade também. A cada 20, 30 pessoas, uma vai dar moeda. A maioria não vai olhar. Você torna-se parte do cenário. Há sempre alguém tocando pelos corredores das estações de metrô de Montreal. Você, músico, é parte daquilo. Além do costume, há a pressa. Estação de metrô é o lugar menos suscetível para querer chamar atenção. Todo mundo está com pressa. Vindo e indo. Correndo através do dia. Ninguém quer parar. Ninguém tem tempo para apreciar. O maior desafio é quebrar isso. É fazer alguém parar. É impressionar a pessoa ao ponto que ela se sinta no dever de desacelerar, procurar algum trocado e te dar. Tocar na rua é mais que tocar um instrumento, é tocar pessoas.
Na minha primeira semana eu não tive grande disciplina de chegar cedo o bastante e assim conseguir bons horários em boas estações. Acabei quase sempre tocando à noite, em corredores bem vazios, recebendo esparsas moedas, sentindo-me desolada a maior parte do tempo. Quase diariamente alguém apareceu interagindo, aplaudindo, filmando, conversando, elogiando. Isso é ouro. Isso faz compensar tudo. Na verdade, tocar “na rua” é um extremismo. Há uma dificuldade imensa e uma gratificação imensa. Há uma discriminação imensa e um reconhecimento imenso. Agora, falando de dinheiro, em 6 dias tocando menos que 2h por dia, em horários ruins, em estações vazias, entre trancos e barrancos; fiz 160 dólares. Eu jamais imaginava isso. É muito de grão em grão. Fui colando as moedas no saquinho e quando dei por mim o saquinho já estava estourando. Antes de contar pensei: deve ter uns 50 dólares aqui. Tinha o triplo.
Nessa semana começo a tocar 2x. Visando dobrar esse ganho. Essa experiência.
Esse é um dos momentos mais significantes da minha vida. Eu me agarrei tanto a isso. Eu supliquei tanto por isso. Não é só tocar na rua, não é uma aventura, não é só o dinheiro. É uma porta aberta. É um êxito. É uma coisa boa. Depois de tanta perda e restrição. Eu não sei exatamente como vim parar aqui e nem para onde isso vai dar. E não importa. Isso me encheu de esperanças. Na vida. Em mim. Na música. Na transformação. Eu decidi estender a minha estadia em Montreal porque eu precisava transformar isso tudo. Não foi de um dia para a noite. Desde que cheguei aqui trabalho em ima desse projeto de me apresentar como musicista solo. E isso é o mais importante. Foi uma resultante, uma persistência. Resistência. Quanta reprovação eu ouvi. Quanto questionamento a respeito das minhas altas e ousadas expectativas. E as críticas mais árduas vieram de mim. Na maior parte do tempo oscilei entre gigantesco otimismo e medo.
É só a primeira semana, mas isso já justificou tudo. É um triunfo. É uma nova etapa.





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