O quão bom você é?
- Aline Castanhari
- 18 de set.
- 3 min de leitura
– Dois meses sobrevivendo de música em Montreal
Há algumas experiências fantástica sobre padrões sociais de comportamento humano. Uma delas consiste em colocar dois banheiros químicos em um lugar de grande circulação, como um show. Em um deles uma grande fila de pessoas é propositalmente colocada. O outro permanece totalmente livre. Resultado: ninguém tenta usar o banheiro “vazio”. A multidão se acumula atrás da grande fila. O banheiro vazio não é notado ou simplesmente evitado.
Em uma das estações de metrô que toco, Jean Talon, um dos “spots” que demarca o local onde se pode tocar, teve a sua placa coberta por um aviso: “Não é permitido a presença de músicos antes da 13h”. Esse era um spot muito concorrido, até então. Agora, apenas um ou dois músicos tocam lá por dia. Apenas liguei um ponto quando uma colega “de trabalho” me disse: não gosto mais de tocar ali desde que colocaram aquele aviso.
Histeria coletiva. Pessoas dando dinheiro atraem pessoas dando dinheiro. Pessoas filmando atraem pessoas filmando. Pessoas assistindo atraem pessoas assistindo. Vazio atrai vazio. Pessoas passando reto atraem pessoas passando reto. Padrão social de comportamento coletivo.
Às vezes acho que ganho dinheiro por dó. Outras porque sou mulher (menina) tocando e cantando em um espaço púbico. E isso é diferente. Um pouco além disso, ouço com frequência dos meus colegas de trabalho: que sorte a sua, deve ganhar muito dinheiro aqui sendo tão bonita. Confesso que isso me soa bem ofensivo. Outras vezes, me sinto num circo. Tocar e cantar bem não é suficiente. Não é novidade. As pessoas querem o espetacular quebrando a rotina e as fazendo parar. A qualidade se perde na excentricidade, muitas vezes. Isso me faz duvidar de mim. Por exemplo quando estou fazendo instrumental na guitarra ou tocando gaita. E ai muitas pessoas costumam parar. Ela gostam por que é bom ou por que é diferente? Um dia ouvi: “Sua voz de longe é a mais peculiar que já escutei.” Não soube como interpretar isso.
Já me sinto quase à vontade tocando pelos corredores barulhentos das linhas de metrô de Montreal. No anonimato do ofício. É totalmente diferente em cima de um palco, na intimidade de um bar com uma plateia me encarando. Isso ainda me faz congelar. Querendo sumir de lá o mais rápido o possível. Semana passada tive uma espécie de audição. Não foi legal. “Caí” totalmente. Não tô preparada – ainda. Pensei. Senti. E isso foi bom. Foi um realismo. Porque é sempre necessária a consciência de que estamos em construção – sempre. Hoje ganho a vida com música, algo que nunca pensei que pudesse ser capaz. Recebo inúmeros elogios diariamente. Sinto-me às vezes uma estrela, noutras uma mendiga. É extremo isso mesmo. Da total indiferença à uma multidão te assistindo, filmando, aplaudindo. Não sei como interpretar. Julgar. Então, é bom a conscientização de que sou uma aprendiz. E sempre vou ser. Independente de onde chegar. E onde quero chegar, eu não tenho uma resposta feita. A música é o ar que respiro. O quero é tocar. Bem. Cantar. Bem. Fazer o que amo bem. Se hoje isso é minha “profissão”, é por uma mescla de fatalidades com vontades. E preciso me dizer isso. Porque não há pressa. Não há pressa de subir em cima de um palco e arrasar. Não há pressa de alcançar um virtuosismo que não se pode acelerar. Como qualquer cultivo.
Tocar na rua me lembra que o maior espetáculo está na delicadeza escondida no dia-a-dia. É fazer uma pessoa no meio de uma multidão parar e te escutar. Uma criança “empacar” no meio do corredor porque ficou hipnotizada com a sua música. Ouvir um “Bravo!”. É aquela velhinha passando e fazendo um joinha: “très bon”. É alguém cantando e dançando a música que você está tocando, quebrando aquele cenário áspero de pressa e cansaço. São esses momentos que me fazem agradecer tão fundo que chega a doer. É muito mais do quer ser aplaudida de pé em cima de um palco. É muito mais do quer ser uma estrela. É -tocar- pessoas. E nada se compara a isso.





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