Leva Tempo
- Aline Castanhari
- 5 de set. de 2019
- 3 min de leitura
Quando eu tinha 20 anos, eu mandei um vídeo meu cantando para um menino que eu gostava. Ele disse: “Por que você não só toca? Seria melhor.” Minha mãe vivia me dizendo que eu não “tinha voz”. Nessa mesma época, e um dos meus primeiros vídeos do Youtube, eu recebi enxurradas de críticas. “Você é extremamente desafinada!”. E assim por diante. Fiz um teste para entrar em um conservatório. Não consegui. Travei no primeiro verso. Quando cheguei em Montreal, participei de “open mics”. Saía meia chorando meia ferida. Dizendo para mim mesmo que nunca-mais-iria-cantar-ao-vivo. Okay, sou boa no drama, isso não durava mais do que algumas horas. Mas eram difíceis, difíceis horas.
Uma das primeiras músicas que apresentei, se não a primeira, foi “House of the Rising Sun”, do “The Animals”. E foi horrível. Terrível. Deixei-a de lado. Depois de uns 6 meses, quando comecei finalmente a estruturar repertório, resolvi dar mais uma chance. Foi um dos meus maiores desafios. Até pouco tempo antes de começar a tocar ao vivo, questionava-me se seria capaz de segurar essa música. Arrisquei. Hoje, é uma das músicas que mais “faço sucesso”. Pessoal elogia demais. Sempre alguém para na minha frente para assistir. É um dos momentos de resgate para mim. Não só pela superação, mas é aquele momento que eu sei que não, não estou ganhando esmola. Não estou sendo paga por dó.
Quando comecei com a meia lua de pé, eu não conseguia segurar o ritmo. Lembro uma das vezes que toquei “Poison Heart”, um cara passou e começou a fazer o ritmo batendo palma, “ensinando-me”, melhor; “corrigindo-me”. Nossa, que vergonha eu senti. Neste útlimo sábado, estava tocando na rua Posion Heart, com a meia lua no pé, como sempre. Um cara passou, tirou uma baqueta da mochila e começou me acompanhar, e ainda disse: “Amazing rhythm!” Fiquei muito feliz.
Uma vez estava na Saint-Denni, uma rua boemia de Montreal. Atrás de mim uma senhora sentou. E ficou por muito tempo. No final me deu 20 doláres e disse: Your voice is stunning!
Eu não sei se dá para entender, mas é difícil, difícil julgar-se. É difícil escutar-se. Com precisão. Quando alguém me diz: você é boa; eu acredito em mim. Não sei se deveria ser assim. Mas é. Acho que todos nós funcionamos mais ou menos assim.
Tocar na rua é muito difícil. Muito. Nunca sei direito onde vou conseguir tocar. Se vou conseguir tocar. Se o lugar vai estar ocupado já por outro musicista. Se alguém não vai “tentar me expulsar”. Se vou ganhar dinheiro. E hoje, sobrevivo disso. É difícil. É uma ansiedade quase que doentia. Nesses últimos dias, eu fiquei muito mal por tudo isso. Toquei num bar semana passada e não fui paga, além de não receber assistência alguma. No outro dia um policial me parou na rua tentando me multar. Tive que rapidamente argumentar e ele então, resolver rever se eu estava errada mesmo. E eu não estava. Era meu direito tocar lá. No outro dia, um drogado brigou verbalmente comigo, querendo me expulsar do lugar. Ontem, um morador de rua muito alterado começou a arrombar uma loja na minha frente. É sempre imprevisto. É sempre alarmante. É difícil. Muito.
E há críticas. “Músicas muito triste você toca!”. “Se é brasileira por que não tá cantando em português?”, “Por que covers? Músico de verdade toca autoral”. “Se tá no Quebec, por que não canta em Francês?” “Por que não fala Francês?” Não, não é fácil. Há dias que é extremamente difícil.
Mas há a velhinha sentada atrás de mim com toda a serenidade do mundo. O cara com a baqueta acompanhando minha meia-lua. A criança dançando com a mãe na minha frente. Há a magia. Aquela sensação que tô trazendo algo para aquele lugar. E que sou capaz. Capaz de cantar, de tocar; de fazer música.
Todo trabalho vai ter seu lado negativo. Toda habilidade vai demorar -muito- para ser desenvolvida. São regras da vida. Ou a gente aceita ou desiste.
Antes de sair de casa, fechos os olhos, fazendo quase que uma prece. E vou.





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