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Fora do Casulo

  • Foto do escritor: Aline Castanhari
    Aline Castanhari
  • 18 de set.
  • 3 min de leitura

Chego à 5:45 da manhã no metrô para assinar a lista de músicos. Os “moradores de rua” ainda dormem pela estação vazia. Um deles desperta ligeiramente quando passo, e acena para mim. Já somos conhecidos. Trabalhamos no mesmo lugar. E carregamos a mesma locução adjetiva. Ele, morador de rua. Eu, músico de rua.


Volto para o metrô à 1:00 da tarde para tocar em minha primeira estação. No caminho encontro alguns musicistas com o seu equipamento. Cumprimentamo-nos saudosamente. Não nos conhecemos, mas isso não importa. Somos colegas de trabalho. E isso basta. Enquanto espero o metrô, pessoas usualmente me param dizendo que me viram tocando em alguma estação. “Você é realmente boa”. E já ganhei o meu dia.


Chegando onde vou tocar, o musicista antes de mim guarda o seu equipamento enquanto eu arrumo o meu. Conversamos. Trocamos informações. Desejamos boa sorte. “Bom show”.


Os funcionários do metrô me cumprimentam. Alguns me dão moedas. Outros me assistem enquanto balançam a cabeça e remexem os pés. E passam por mim dizendo: “You’re good, girl”.


Descobri que o melhor horário para tocar é longe da hora do “rush”, onde é possível interação com o público. As pessoas me ouvem melhor, enxergam-me melhor. Sempre há incontáveis histórias; pessoas pedindo para tirar foto comigo, cantar no microfone! As crianças são sempre o melhor do espetáculo. Elas ficam vidradas. A cena mais maravilhosa é quando os pais não tem intenção de dar dinheiro, mas a criança paralisa-se na minha frente. Os pais a chamam, mas ela continua lá, paralisada me vendo. Então o pai/mãe lhe dá uma moeda e ela vai lá toda sorridente colocar na minha case. Isso é ouro.


Ontem um grupo de adolescentes não mais de 15 anos fizeram uma “vaquinha” para me dar dinheiro. Ganhar dinheiro de adolescente já é difícil, de um grupo ainda… Fiquei muito feliz. Ontem também duas pessoas me “interromperam” enquanto cantava só para dizer “você canta muito bem”. Isso vale mais do que tudo.


Costumo chegar numa estação vazia e pensar: não vou fazer uma moeda hoje. E acabo saindo com a case forrada de moedas e, quase sempre, algumas notas. É incrível. Quem está de fora não imagina o quanto que isso pode ser lucrativo. Eu mesma não imaginava, mas é. De todos os sentidos.


Toco 4 horas seguidas, em duas estações. Diariamente. Carregado nas costas equipamento pesado. Amplificador nos braços. Chego em casa no final do dia exausta, com os dedos em carne viva. Mas feliz, genuinamente feliz, com o coração aquecido por tudo que acabei de narrar.


Há um ano e meio cheguei em Montreal aterrorizada. Sem saber direito o que estava fazendo, onde estava me metendo. Senti-a me atirando num penhasco sem saber voar. “Sem saber” era o que eu mais sentia. Em tantos e tantos sentidos. Sem saber francês, com um inglês insignificante. Sem conhecer ninguém. Sem ter onde ficar. Sem diploma. Sem direito válido de trabalho. Trabalhando sem pagamento significativo. Uma avalanche sobre mim.


Mas eu não fique à deriva. Quando a situação é extrema, não há escolha. No fundo do buraco, não dá para cair mais. Eu tinha que redirecionar a minha vida. Eu tinha que me refazer. 2018 foi o casulo. Escuro, incerto, sufocante. O desespero foi grande, mas minha esperança foi maior. Eu sabia que era uma fase. Eu me dizia. Diariamente. Como um mantra. Eu me dizia que todo esforço tem a sua resultante. Por mais lenta que seja.


2019 é a quebra do meu casulo. Abraço Montreal. Voo por Montreal. Leve. Amo Montreal. Amo a minha vida aqui. Nem de longe estou acomodada e com alguma estabilidade. Mas estou em paz. E acredito que isso seja felicidade. Estar em paz. Ainda não falo francês, mas aprendi incontáveis frases e palavras. Ainda não sou fluente em inglês, mas hoje entendo e falo muito melhor. Não tenho uma “carteira assinado”, mas estou sobrevivendo de minha música, trabalhando 4 horas por dia. E com tempo para estudar o que quero estudar, desenvolvendo o que genuinamente quero desenvolver para a minha vida. Estou vivendo em um país estrangeiro há quase dois anos, onde tudo é diferente. Sinto-me me preenchendo de incontáveis maneiras. Sinto-me deliberadamente vivendo a realidade que quero viver. Hoje. Por isso a paz. A compreensão que a vida flui em ciclos. Para grandes transformações, grandes sacrifícios são necessários. E ninguém quer o negativo, só o positivo. Hoje compreendo que essa é uma mistura heterogênea, inseparável.


Uma vez morei em uma casa com uma grande palmeira a qual forrava-se de casulos. Assistia a dificuldade que era para uma lagarta quebrar o casulo e voar. As asas amassadas, a realidade confusa. Costumam primeiro andar, rodopiar, cair, só depois, voar.



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