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Barro em minhas mãos

  • Foto do escritor: Aline Castanhari
    Aline Castanhari
  • 18 de set.
  • 3 min de leitura

A primeira e única vez que fui à uma cartomante foi antes de vir para cá. Sempre tirei tarô para mim mesma, mas eu já não podia mais confiar na minha própria percepção. Eu já não pensava. Pois se pensasse, não faria. Não viria. E no meio de tamanha confusão, e sem poder contar com a razão: fui para a cartomante.


Você vai ficar um bom tempo lá, não?! Prontamente ela me disse. Não, só 6 meses ou no máximo um ano. Respondi. Não, não, você vai ficar mais! Ela afirmou. Sem hesitar.


Faz uma semana que estou trancada dentro de casa. Em fevereiro oficialmente deixei o meu trabalho. Como o planejado. Não atendo mais idosos diariamente nem dou aula de pintura. Decidi continuar aqui por causa da minha música. Apenas. Cheguei aqui com essa vontade. Mas era só uma vontade. Assim, dispersa como os desejos costumam ser. Vou aproveitar que estou lá e tocar na rua. Assim, por conveniência. Não sei como isso mudou. Não consigo me lembrar como ou quando isso deixou de ser uma vontade e tornou-se a razão. Talvez, isso tenha sido a única coisa em que eu consegui me agarrar. No meio de tanta solidão, hostilidade, impossibilidade. Foi a minha defesa, foi a minha sanidade, a minha resistência. O meu chão. Não sei. Mas quando vi, já não era conveniência, era urgência. Era tudo.


Ao ver que um ano já tinha se passado e eu ainda não tinha começado a tocar, sem hesitar disse: preciso ficar. Muito mais do que uma obsessão: é um resgate. Eu precisava meu deus, como eu precisava, resinificar tudo isso. Eu não poderia ir embora daqui tão derrotada, tão machucada. Não podia. Sem hesitar, sem ponderar, eu disse: vou ficar. Vou tentar. Preciso.

Começo a tocar no metrô segunda-feira dia 11 de fevereiro de 2019. Por isso a semana trancada. Entre ensaios, dedos descamados, choros, euforias, completude. Principalmente completude. O que estou fazendo. Para onde estou indo. O que quero. Contei os dias e vi que tenho menos de 5 meses aqui agora. Mais de um mês já se passou. E eu estou totalmente bem em relação a isso. Como nunca antes estive. Aqui. Pois sinto aquela sensação indizível de estar fazendo a coisa certa.


Comecei também a abraçar o futuro, assim: sentindo-o. Como barro em minhas mãos: matéria prima. O futuro já existe: ele é o presente se escorrendo. Indo-se. Formando-se. A gente tem que palpar isso. Modelar isso. Comecei a fazer planos. Liguei para a minha irmã. Vamos juntas para Portugal final de agosto! Eu passo um mês com você lá, toco nas ruas de Lisboa, tento fazer dinheiro para me mudar para a Escócia. Antes eu tinha medo de dizer isso: Escócia. “Eu vou para a Escócia”. Parecia quase uma mentira. Agora já começo a dizer alto, bem alto para que a vida escute: “Eu vou me mudar para a Escócia, para Edinburgh!”. Começo a abraçar isso. Sentir isso. Enchendo-me de esperança. Será um novo tempo, melhor, mais calmo, mais verídico. Um tempo que se desdobra após Montreal: a ponte.


Eu não sei ainda se vou conseguir ganhar a vida tocando, como quero. Mas se não for hoje, vai ser amanhã, ou depois, ou na semana que vem, ou em breve. O que sei é que não há oportunidade melhor de aprimoramento do que tocar todos os dias ao vivo no meio de uma multidão. Sinto-me enfim preparada. E grata por estar aqui, por poder fazer isso. Ser isso. No meio de todo o meu devaneio e confusão, algo sempre foi cristalino: Montreal seria a ponte. Entre tudo.



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